Florbela Espanca


Eu
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!
                                                                      
Florbela Espanca - Livro das Mágoas.

Nasceu no dia 8 de dezembro de 1894 em Vila Viçosa, no Alentejo, foi batizada com o nome Flor Bela de Alma da Conceição. O seu pai era João Maria Espanca que era casado com sua madrasta, Mariana do Carmo Toscano a qual não podia ter filhos. Porém, João Maria resolveu tê-los com outra mulher, Antónia da Conceição Lobo, mãe biológica de Florbela e seu irmão, Apeles.

Entre 1899 e 1908, Florbela frequentou a escola primária em Vila Viçosa. Em 1903, aos sete anos, fez seu primeiro poema, A Vida e a Morte. Em 1907, Florbela escreveu o seu primeiro conto: Mamã! No ano de 1908, faleceu a sua mãe, Antónia. Ingressou então no Liceu Masculino André de Gouveia em Évora, onde permaneceu até 1912.

Em 1913 casou-se em Évora com Alberto de Jesus Silva Moutinho. Em 1915 instalou-se na casa dos Espanca em Évora. Em 1916 voltou a Redondo e reuniu uma seleção de sua produção poética desde 1915, inaugurando assim o projeto Trocando Olhares. Ainda Florbela ingressou como jornalista em Modas & Bordados (suplemento de O Século em Lisboa), em Notícias de Évora e em A Voz Pública, também evorense. A poetisa regressou de novo a esta cidade em 1917. Completou o 11º ano do Curso Complementar de Letras e matriculou-se na faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Em 1918 a escritora sofreu as consequências de um aborto involuntário, que lhe teria infectado os ovários e os pulmões. Mudou-se para Quelfes. Em 1919 saiu finalmente a sua primeira obra, Livro de Mágoas, antologia de poemas. Sendo ainda casada, a escritora passou a viver com António José Marques Guimarães, alferes de Artilharia da Guarda Republicana, devido à traição de seu marido com Henriqueta de Almeida, sua empregada. Em meados de 1920 abandonou os estudos na faculdade de direito. Em 1921, divorciou-se de Moutinho para casar com o amante. O casal passou a residir no Porto, mas, no ano seguinte, transferiu-se para Lisboa onde Guimarães se tornou chefe de gabinete do Ministro do Exército. Em 1922, Florbela publicou o seu soneto “Prince charmant...”. Em Janeiro de 1923 veio à luz a sua segunda coletânea de sonetos, Livro de Sóror Saudade.

Em 1925, após mais um aborto, divorciou-se pela segunda vez. Ainda em 1925, a poetisa casou com o médico Mário Pereira Lage, que conhecia desde 1921 e com quem vivia desde 1924. O casamento decorreu em Matosinhos, no Distrito do Porto, onde o casal passou a morar a partir de 1926. Em 1927, a autora começou a sua colaboração no jornal D. Nuno de Vila Viçosa. Preparava também um volume de contos, provavelmente, O Dominó Preto, publicado postumamente apenas em 1982. Então, começou a traduzir romances para as editoras Civilização e Figueirinhas do Porto.

Ainda no ano 1927, Apeles, o irmão da escritora, faleceu num trágico acidente de avião. Em homenagem ao irmão, a autora escreveu o conjunto de contos: As Máscaras do Destino, volume publicado postumamente em 1931. Entretanto, a sua doença mental agravou-se bastante. Em 1928 ela teria tentado o primeiro suicídio. Em 1930, Florbela começou a escrever o seu Diário do Último Ano, publicado só em 1981. Florbela tentou o suicídio por duas vezes em Outubro e Novembro de 1930, na véspera da publicação de sua obra-prima, Charneca em Flor. Após o diagnóstico de um edema pulmonar, a poetisa perdeu o resto da vontade de viver. Não resistiu a mais uma tentativa de suicídio. Faleceu em Matosinhos, no dia do seu 36º aniversário, 8 de dezembro de 1930. A causa da morte foi à alta dose de barbitúricos. O corpo dela jaz, desde 17 de Maio de 1964, no cemitério de Vila Viçosa, a sua terra natal.


Florbela Espanca (poemas)

A Vida e a Morte
Florbela Espanca – Obras Completas – Poesia

                                      O que é a vida e a morte
                                      Aquella infernal enimiga
                                      A vida é o sorriso
                                      E a morte da vida a guarida

                                              A morte tem os desgostos
                                     A vida tem os felises
                                         A cova tem as tristezas
                                                         I a vida tem as raizes

                                                                              A vida e a morte são
                                                                              O sorriso lisongeiro
                                                                              E o amor tem o navio
                                                                              E o navio o marinheiro.


Prince Charmant
Florbela Espanca - Livro de Soror Saudade

                                                                          No lânguido esmaecer das amorosas
Tardes que morrem voluptuosamente
 Procurei-O no meio de toda a gente.
 Procurei-O em horas silenciosas

 Das noites da minh’alma tenebrosas!
 Boca sangrando beijos, flor que sente…
 Olhos postos num sonho, humildemente…
  Mãos cheias de violetas e de rosas…

 E nunca O encontrei!… Prince Charmant           
 Como audaz cavaleiro em velhas lendas
 Virá, talvez, nas névoas da manhã!

  Ah! Toda a nossa vida anda a quimera
  Tecendo em frágeis dedos frágeis rendas…
  - Nunca se encontra Aquele que se espera!…


Charneca em flor
Florbela Espanca - Charneca em flor

Enche o meu peito, num encanto mago,
O frémito das coisas dolorosas...
Sob as urzes queimadas nascem rosas...
Nos meus olhos as lágrimas apago...

Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!

E, nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu burel,
E já não sou, Amor, Soror Saudade...

Olhos a arder em êxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor.

Por: Renilson Teodoro Júnior