Fernando Pessoa

Fernando Antônio Nogueira Pessoa nasceu em 1888, em Lisboa, morreu em 1935, e poucas vezes deixou a cidade, mas passou nove anos de sua infância em Durban, na colônia britânica da África do Sul, onde o seu padrasto era o cônsul Português. Pessoa, que tinha cinco anos quando o seu pai morreu de tuberculose, tornou-se num rapaz tímido e cheio de imaginação.

Pouco depois de completar 17 anos, voltou à Lisboa para entrar na universidade, que cedo abandonou, preferindo estudar por sua conta própria, na Biblioteca Nacional, onde leu sistematicamente os grandes clássicos da filosofia, da história, da sociologia e da literatura (portuguesa em particular) a fim de completar e expandir a educação tradicional inglesa que recebera na África do Sul. A sua produção de poesia e de prosa em Inglês foi intensa, durante este período, e por volta de 1910, já escrevia também em Português. Publicou o seu primeiro ensaio de crítica literária em 1912, o primeiro texto de prosa criativa (um trecho do Livro do Desassossego) em 1913, e os primeiros poemas em 1914.

Quando se estuda o obra poética de Fernando Pessoa, é necessário fazer uma distinção entre todos os poemas que assinou com o seu nome verdadeiro - poesia ortônima - e todos os outros, atribuídos a diferentes heterônimos (dentre os quais destacam-se Alberto Caeiro, Álvoro de Campos e Ricardo Reis).

O fenômeno de heteronímia resolve uma questão que persegue o Poeta durante toda a sua vida: o desdobramento do eu, a multiplicação de identidade. Outra questão que o ocupou foi a da sinceridade do fingimento, condição da criação literária, e que originou o seguinte poema:

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Dentre as grandes obras da poesia ortônima de Pessoa, destacam-se os belíssimos poemas de mensagem. A obra inclui uma releitura do destino de Portugal, partindo do fenômeno das navegações, da ligação entre os protugueses e o mar, e da associação do mito do encoberto ao desaparecimento misterioso de D. Sebastião. A obra poética está dividida em três partes, incluindo 44 poemas.

Primeira parte o poema / BRASÃO, utiliza os diversos componentes das armas de Portugal para revisitar algumas personagens da história do país.

I. Os campos

Primeiro/ o dos castelos   ( o poema é uma descrição do Mapa da Europa que Pessoa assemelha a uma mulher reclinada).

A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.         
                                 
O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.

Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.

O rosto com que fita é Portugal.




A segunda parte do poema / MAR PORTUGUEZ - o vocábulo português não é escrito com guez. A expressão faz parte do poema Mensagem, desbruça-se sobre a época das grandes navegações, batendo à porta de figuras como o Infanto, D. Herinque, Vasco da Gama e Fernão de Magalhães, mas não se limitava a elas. Como epígrafe "POSSESSIO MARIS" ( Posse do Mar).

X - Mar Português

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
quantos filhos em vão rezaram!
Para que fosses nossos, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.


A terceira parte do poema / O ENCOBERTO,é a parte mais marcadamente simbólica e sebastianísta, voltando, ainda a falar de outras figuras da história de Portugal. Tem como epígrafe "PAX IN EXCELSIS" (Paz nas Alturas).

I. Os Símbolos

              V/ O Encoberto 

Que símbolo fecundo
 Vem na aurora anciosa?
Na Cruz Morta do Mundo
A Vida, que é a Rosa.
                                                       Que símbolo divino
Traz o dia já visto?
 Na Cruz, que é o Destino,
 A Rosa, que é o Cristo.

 Que símbolo final
 Mostra o sol já disperto?
 Na Cruz morta e fatal
 A Rosa do Encoberto.


Poema / LIBERDADE
                                                            Ai que prazer                   
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
Sol doira
Sem literatura
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como o tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.


Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D.Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,

Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

Mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca.. . (Fernando Pessoa, in "Cancioneiro" )



Poema de Natal

O sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro de minha alma.
                                                       E é tão lento o teu soar,
                                                       Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.

Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho                                                      
Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.



                  Presságio

O AMOR, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...


POEMA/ ISTO
                                                       Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!

Fernando Pessoa foi um poeta extremamente inteligente e talentoso, inovou a poesia, extrapolando as características estéticas do período Modernista, no qual estava inserido.

Por: Solange Lopes Brandão